Saúde Saúde
Dose de heparina que evita morte por Covid é mais do que OMS indica
Estudo mostra que dose 4 vezes maior do que recomendada, reduz em 78% risco de morrer se usada assim que paciente interna
18/10/2021 09h10
Por: Anderson - Estagiário Verguia Fonte: R7 - Karina Toledo, Agência FAPESP

O anticoagulante heparina reduz em 78% o risco de morrer por complicações da Covid-19 se administrado em dose terapêutica assim que o paciente chega ao hospital com sinais de insuficiência respiratória, indica estudo publicado na última quinta-feira (14) no Bristish Medical Journal.

Atualmente, a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda para esses casos apenas uma dose profilática do fármaco (indicada para prevenir trombose), que é quatro vezes menor que a dose terapêutica e não mostrou benefícios no ensaio clínico randomizado. A pesquisa envolveu 465 pacientes atendidos em 28 hospitais de seis países, entre eles o Brasil.

“A gente acredita que esses resultados devem mudar a prática clínica”, diz à Agência FAPESP a médica Elnara Negri, coautora do artigo e integrante das equipes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e do Hospital Sírio-Libanês.

A pesquisadora ressalta, porém, que a recomendação não vale para todo mundo que for diagnosticado com a COVID-19. “O tratamento é indicado apenas para quem for internado e somente sob supervisão médica. Se uma pessoa tomar anticoagulante sem necessidade ou orientação pode sangrar até morrer.”

Continua após a publicidade

Participaram do ensaio clínico pacientes de ambos os sexos, com idade média de 60 anos, que deram entrada no hospital com saturação de oxigênio igual ou inferior a 93%. O objetivo foi avaliar o efeito da heparina sobre vários possíveis desfechos da infecção pelo SARS-CoV-2. Além de redução na mortalidade, portanto, buscou-se observar se o tratamento reduziria a necessidade de ventilação não invasiva (com cateter de alto fluxo ou máscara de oxigênio), de intubação e de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Os voluntários foram divididos em dois grupos, um tratado com a dose terapêutica e outro que recebeu apenas a dose profilática (grupo controle). O efeito sobre os desfechos foram avaliados 28 dias após a administração do fármaco.

“Não vimos diferença expressiva em termos de necessidade de internação em UTI, de ventilação não invasiva ou de intubação. Mas o número de mortes foi significativamente menor no grupo que recebeu a dose terapêutica. E a ocorrência de sangramentos importantes, que foi o principal efeito adverso observado no estudo, foi muito baixa. Ou seja, a terapia é segura”, afirma a médica.

Continua após a publicidade

Os resultados evidenciam ainda que, para trazer benefícios, a heparina deve ser administrada entre o sétimo e o 14o dia após o início dos sintomas. Estudos anteriores já haviam mostrado que a anticoagulação não traz resultados importantes quando é feita após a internação em UTI.

A médica destaca que os benefícios nessa fase da doença foram observados apenas com o uso de heparina injetável. Anticoagulantes ministrados por via oral não surtiram efeito. “Isso possivelmente se deve ao fato de esse fármaco também ter efeitos antivirais e anti-inflamatórios já confirmados no contexto da COVID-19. A boa notícia é que se trata de uma droga barata e disponível no SUS [Sistema Único de Saúde].”

Primeiras evidências

Em parceria com os colegas do Departamento de Patologia da FM-USP Marisa Dolhnikoff e Paulo Saldiva, Negri foi uma das primeiras pessoas no mundo a levantar a hipótese de que distúrbios de coagulação sanguínea estariam na base dos sintomas mais graves da COVID-19 – entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar. O grupo publicou o primeiro artigo da literatura científica que descreveu “evidências patológicas de fenômenos trombóticos pulmonares em COVID-19 grave” (leia mais em: agencia.fapesp.br/33175).

Continua após a publicidade

“O vírus entra pelo sistema respiratório e alguns organismos conseguem contê-lo antes que chegue aos alvéolos pulmonares. Mas quando ele invade os capilares que irrigam o pulmão começa a fazer buracos no endotélio [camada de células que reveste a parte interna dos vasos] e isso faz com que o sangue comece a empelotar. Formam-se microtrombos que impedem a passagem do sangue para as estruturas pulmonares onde ocorrem as trocas gasosas”, explica.

A heparina ajuda a evitar que isso ocorra por dois mecanismos: o fármaco desfaz os microtrombos que impedem o oxigênio de passar do alvéolo para as pequenas artérias pulmonares e, além disso, ajuda na recuperação do endotélio vascular.

Estudos publicados no último ano indicam que aproximadamente 15% dos infectados pelo novo coronavírus desenvolvem alterações na coagulação sanguínea. “Essa é a população que pode se beneficiar do tratamento com heparina, mas o timing é fundamental”, diz Negri.